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Benedito Calixto: a arte como ferramenta interdisciplinar

A arte pode ser um mecanismo fundamental para a compreensão de determinados aspectos de um espaço em um período histórico. Partindo do conceito de arte como exercício de atividades, como edificações de templos e casas, a realização de pinturas e esculturas, ou de templos e casas, realização de pinturas e esculturas, ou tessitura de padrões, nenhum povo existe sem arte. Ou seja, a definição de arte pode passar pelo homem vivendo em sociedade e buscando o belo.


Dentro dessas variadas atividades artísticas, podemos verificar que elas carregam, querendo ou não, um pouco da identidade do povo que a desenvolve e as tendências culturais do momento. Pegando como exemplo a arquitetura, historicamente, no Brasil, podemos situar o estilo barroco, na arquitetura colonial/açucareira; enquanto o neoclássico e eclético, na cafeeira, nas primeiras décadas da república, em Santos e região. Tratam-se de denominações de tendências culturais mais amplas delimitadas pelo período histórico e econômico ao qual coincidiram no Brasil. As edificações que sobreviveram ao tempo trazem em si características que identificam seu período e, aliado a outros conhecimentos, nos permite entender com mais clareza o papel daquele objeto na sua época e vice versa. Ou seja, de maneira geral, produções artísticas condensam em si uma grande quantidade de informações, que se articuladas em conjunto com outras áreas de conhecimento nos dão, na medida do possível, uma visão mais clara de uma sociedade e seu caminhar através dos séculos, assim como as relações da mesma com o ambiente.


“Convento de Santo Antônio do Valongo” (s.d.)


É necessário ter em mente que tanto a arte como a cultura humana em geral carrega um peso de seu contexto. Num olhar mais amplo, para correntes artísticas como um todo, notam-se as limitações e relações de dependência se tomarmos o Brasil como exemplo: a corrente barroca na arquitetura brasileira é muito mais simples em sua forma que o barroco europeu, o qual era a base. Percebe-se então, que na própria condição de colônia, importa-se uma visão cultural e devido às próprias limitações climáticas, econômicas e infraestruturais, esta importação é automaticamente adaptada, aquilo que se chama de barroco, no contexto brasileiro, adquire características próprias; o contexto determina a obra. Há uma série de camadas de informações presentes, implícita ou explicitamente na obra, ligadas às situações nos âmbitos sociais, econômicos, políticos, etc. Além dessa carga ligada ao contexto da época presente, se utilizarmos como exemplo a pintura, a própria obra muitas vezes pode ter como tema principal o meio, a paisagem, como é o caso de grande parte da produção do pintor Benedito Calixto (1853-1927).


"Inundação da Várzea do Carmo" (1892)


Benedito Calixto foi um artista brasileiro nascido em Itanhaém, alinhado aos ideais neoclássicos e acadêmicos da pintura (basicamente, procurando uma representação fiel a realidade). Teve papel fundamental especialmente no estado de São Paulo, onde ganhou notoriedade, especialmente no litoral paulista por retratar suas paisagens, além de pintar locais e acontecimentos históricos passados nacionais importantes. Sua pintura acadêmica se aproximava do que era visto na realidade, chegando a lembrar, em algumas obras, fotografias. Durante muito tempo na história da arte brasileira, principalmente no período colonial, copiaram-se tendências do exterior, europeias, especialmente na pintura; se não na maneira de produzir arte em geral, nos temas escolhidos. A partir do início do século XIX, com a vinda da família real portuguesa ao Brasil e a criação de uma academia de Belas Artes no Brasil, começaram-se a esboçar tendências na pintura quanto à retratação do nacional. Num primeiro momento, a tarefa foi executada pelos artistas europeus convidados pela corte portuguesa, ilustrando o Brasil, seus costumes e tipos sociais principais por vezes de maneira distorcida.


Contudo, diferentemente dos artistas estrangeiros que aqui vieram no início do século XIX com a missão francesa, Benedito Calixto, já na segunda metade do século XIX, procurou retratar a realidade de maneira um tanto menos romantizada; além disso, algo a se considerar é a ausência do olhar de fora sobre o nacional, tratava-se da própria arte brasileira olhando para si. A curiosidade pela história auxiliou e foi fundamental para a representação, ainda que trazendo um imaginário, uma idealização do passado do artista, proporcionou que Calixto sugerisse representações do passado que se tornaram notáveis e importantes para a região. Calixto soube representar de maneira aproximada à realidade, através da pintura, a região litorânea, em especial, a cidade de Santos, evidenciando as marcas de sua época, a arquitetura neoclássica, de forte relação com o contexto de fortalecimento da agricultura cafeeira do momento, bem como resquícios de momentos anteriores presentes na realidade urbana da cidade de Santos, principalmente; além de outros elementos fundamentais em toda a história da região, como o papel de escoamento da produção agrícola do país no porto de Santos, tendo retratado o mesmo em uma de suas obras.


“Porto de Santos” (1890)


Ainda que sem a exata precisão da fotografia, nos é dada alguma boa ideia sobre como seriam as paisagens da região litorânea de São Paulo na época de produção. Ter um olhar multidisciplinar sobre a obra, nesse momento, é essencial, visto que ela carrega uma carga de informações que se conectam com outros conhecimentos de nossa bagagem teórica e fornecem uma impressão mais clara de determinada situação. Isto vale para a maioria das produções artísticas na história da humanidade e, neste caso, especialmente quando se estudam diferentes aspectos da baixada santista.



"Fundação de São Vicente" (1900)



Benedito Calixto, ainda que não goze de uma notoriedade histórica no país inteiro como o faz em Santos e região (tanto é que a Pinacoteca de Santos leva seu nome em sua homenagem), foi personagem essencial na história da arte brasileira. Resgatou, ainda que idealizadamente, a memória, o passado, elementos locais ou acontecimentos de suma importância para a construção nacional, desde os mais primordiais, aos contemporâneos à sua produção; não se intimidou pela fotografia, que já era forte tendência na época, apesar de pouco acessível; e pintou grandes paisagens litorâneas que se aproximavam muito da realidade, auxiliando na documentação e resgate da memória da região litorânea paulista; ademais, também teve olhos atentos à seu tempo, representando porto de Santos, por exemplo, símbolo das fortes mudanças e movimentações do momento, da exportação marítima cafeeira. Calixto articulou elementos, conseguindo ilustrar a história brasileira e garantir sua memória, com um olhar atento e diferenciado sobre Santos e região.



“Paisagem - Serra de Santos” (s.d.)


Texto baseado nas informações apresentadas no Curso de Difusão “Benedito Calixto e a Arquitetura do Açúcar e do Café” pelo professor Carlos Finochio no Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos.


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